Quando um adolescente age de forma cruel e assassina uma menina, quem são os culpados? Os pais? A escola? As amizades? As redes sociais? O bullying? A sociedade?
O que eu achei mais interessante na série ‘Adolescência’ é que ela não se propõe a dar respostas simples. Mas ela se propõe, de forma brilhante, a mostrar como todas essas variáveis estão envolvidas, mas principalmente, o quanto também nos falta entendimento sobre como funcionam os discursos atuais de misoginia e como eles vêm afetando meninos cada vez mais jovens.
A internet tem tido um papel relevante na disseminação do ódio contra as mulheres. Mas isso não é apenas coincidência. A ascensão da extrema direita mundialmente também tem feito crescer discursos de ódio contra as mulheres e seus direitos, tornando-os não somente acessíveis e visíveis, mas também legalizados e lucrativos.
Isso pode ser comprovado, por exemplo, pelas mais recentes mudanças nas políticas de moderação de conteúdo das plataformas da Meta – Facebook e Instagram – que foram atualizadas para estarem alinhadas ao governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. A atualização permite agora insultos e discursos de ódio contra diversos grupos, como o de imigrantes, mulheres, homossexuais e a comunidade trans. A plataforma também substituiu o sistema de checagem de notícias falsas: agora quem fará esse papel serão ‘comunidades independentes’ que não necessariamente estarão alinhadas com a veracidade dos fatos.
ADOLESCÊNCIA, AUTOESTIMA E VULNERABILIDADE
A baixa autoestima na adolescência não é tema incomum. Meninos e meninas vivenciam conflitos internos e externos durante essa fase da vida – isso devido a todas as mudanças físicas, biológicas, sociais, psicológicas, hormonais, fisiológicas e emocionais pelas quais eles passam.
Na série o personagem ‘Jamie’ traz à tona questões relacionadas a própria autoestima, sobre como ele vê e se sente em relação aos outros. Assim como Jamie, muitos meninos que estão nessa fase da vida estão encontrando em grupos/fóruns online de “incels” um certo tipo de ‘acolhimento’ para esses sentimentos de rejeição, porém, nesses mesmos espaços circulam inúmeras mensagens violentas contra as mulheres.
Na série, esse discurso que roda entre os incels é retratado a partir da ‘teoria 80/20’. Mas essa não é a única teoria que roda entre esses grupos. Outras teorias como essa são frequentemente disseminadas entre essas comunidades, que reforçam o ressentimento e a busca por vingança contra as mulheres entre esses participantes. Não coincidentemente, quem acaba praticando atos violentos e indo para os “finalmentes”, acaba sendo reconhecido e ganha fama entre a comunidade.
Não podemos mais achar que discursos que são disseminados na internet estão desatrelados do que é feito e vivido na vida real. Discursos ganham força, ganham pensamentos e, a partir disso, se transformam em ações. Infelizmente, essa é uma mensagem difícil de ser digerida, mas que é verdade: o seu filho está sendo programado para odiar mulheres. E a internet não é um lugar seguro.
Não podemos aceitar e achar que se trata somente de um ‘debate de ideias’ quando essas ideias propõem ódio, menosprezo e incitam violência física e simbólica a um grupo específico da sociedade.
E agora a reflexão que fica é: o que podemos fazer de forma individual e coletiva sobre toda essa violência contra mulheres que tem sido disseminada e naturalizada na internet e transformadas em tragédias na vida real? Qual é o papel de cada um de nós nessa história?
Vitória Medeiros – Psicóloga clínica